Contos, Causos e Poesias

Histórias e Relatos sobre a Cidade de Águas de Lindóia

Envie sua História

Temos rosas prá colher

Para minha irmã Ditinha Pirani de Sousa. Histórias do Barreiro. TEMOS ROSAS PARA COLHER Bairro do Barreiro - Sítio José Souza, 1940. Entardecia, o pedaço do dia que a menina mais gostava. Sentada em um banco na cozinha, sentindo o cheiro delicioso do afogado cozinhando no fogão a lenha - afogado é carne cozida bem temperada, coberta com folhas de louro do brejo. O afogado da mãe era o melhor do mundo; as crianças colocavam o caldo com pedaços de carne no prato esmaltado, cobriam com farinha de milho, era de comer rezando. Ela descansava sonolenta de mais um dia de trabalho no cabo da enxada. Apesar da pouca idade e de sua aparência frágil, ela tirava sua tarefa no eito do cafezal tão depressa que deixava muito marmanjo com vergonha. Os sons do sítio que chegavam até ela pareciam vir de longe, filtrados pelo sono. O pai e a mãe conversando, as crianças brincando no terreiro, as galinhas se preparando para dormir, seriemas cantando na mata próxima. Bruscamente, a paz foi quebrada por palmas no portão e alguém chamando: "Ô de casa, ô de casa!" Visitas estranhas sempre causavam apreensão por causa do isolamento do sítio. A mãe foi atender, o pai ficou na porta para lhe dar apoio, se necessário. A menina e os irmãos se esconderam atrás do pai com medo. Eram três pessoas: um casal de idade indefinida, judiados pelo tempo e pela vida, e um rapazinho sorridente, cujo sorriso branco iluminava o rosto. Foi ele quem conversou com a mãe. O rapaz contou que os velhos eram seus tios, irmão e irmã de seu pai. Ele era órfão e fora criado por eles. A tia não regulava bem da cabeça e o tio estava doente, por isso ele não podia abandonar os dois. Vinham de uma cidade próxima (Serra Negra), da fazenda do seu Juca, um fazendeiro muito conhecido pela fama de mau patrão. O rapazinho e o tio trabalharam muito tempo para o tirano: trabalho duro, mal pago, mal dando para comer. Quando o tio ficou doente e só o moço podia trabalhar, o fazendeiro soltou os cachorros e os colocou na estrada sem dó nem piedade. Estavam indo para Minas, onde tinham parentes. Pediam pouso só por aquela noite, pois os tios não aguentavam mais andar; de manhã cedinho iriam embora. Os pais da menina trocaram um olhar indeciso: recolher estranhos em casa, e se fosse gente ruim? Mas, para deixar de acolher aquela gente, precisava ter um coração bem duro. O pai assentiu com a cabeça e a mãe os deixou entrar. Depois da janta, o pai os levou para dormir, arrumando um quarto bem ajeitadinho para os três. Foram dormir todos no mesmo quarto: o pai, a mãe e as crianças. O pai trancou a porta; ainda estavam receosos, preocupados com a presença dos estranhos. A casa ficou em silêncio. A menina escutou a mãe cochichar: ___ Joaquim, você guardou as ferramentas? ___ Estão aqui no quarto, debaixo da cama. A menina também escutou a voz do rapaz: ___ Seu Joaquim, dona Maria, não precisam se preocupar. Nós somos do bem, incapazes de fazer mal a um ser vivente, ainda mais a vocês que só nos fizeram bem. Podem dormir em paz. O sol entrando por entre as telhas clareava o quarto quando a menina acordou com uma voz: ___ Padrinho, acorda. Madrinha, acorda. O dia está clareando. Vamos pegar a estrada; temos rosas para colher. Após o café, as visitas tomaram o rumo de Minas Gerais, e a última imagem que a menina teve deles foi de três figuras magras sumindo na curva poeirenta da estrada. Esse episódio aconteceu há oitenta anos e tem gosto de saudade. A menina é minha mãe. Ela sempre nos contava essa história. Ficou uma lição: na situação mais desoladora, é possível encontrar rosas para colher. Marilene Rodrigues de Oliveira.

Ass: Marilene Rodrigues de Oliveira

O MILAGRE DE SANTO ANTONIO

O MILAGRE DE SANTO ANTONIO. Por quantas vezes, até já perdeu a conta, Padre Narciso encontrou o envelope aos pés da imagem de Santo Antônio. Despachou a bolsinha de papel,via-se logo era artesanal, para o lixo. Não se dava mais à curiosidade de abrir, encontraria uma simples fita vermelha. Ao jogar o envelope do santo sentia revolta: - “O que eu estou fazendo aqui em Catolé do Rocha?! Me diz! Me diz! Santo Antônio”. Padre Narciso tinha crise. - “Cidade morta”, reclamava com trejeito efeminado. Sonhava retornar à animada Campina Grande onde se ordenou. Há dois meses, como vigário, auxiliava o velho pároco Padre Saturnino. Este o aconselhava paciência, orações e meditação. Ser vigilante, não se deixar arrastar pela crise de fé. - “Um dia vai ter seu rebanho deve estar preparado”, finalizava o velho padre ao noviço. Antes o bispo Dom Agostinho o convocara. Esteve em Cajazeiras, sede da diocese. Após ouvir o relato do Padre Saturnino disse: – “Narciso está mais para freira do que padre. Ou nenhum dos dois”, sentenciou o despachado Dom Agostinho. A vocação sacerdotal de Narciso corria risco, padre Saturnino recebera a incumbência de salvação. Narciso era temperamental e antipático. Assim se comportou com Maria da Graça quando ela apareceu com novo envelope nas mãos. - “Menina porque você já não põe aqui sua carta?”, mostrou a lixeira e continuou: - “Ela não serve pra nada mesmo...”. - “É promessa, padre Narciso”, respondeu desnorteada. - “Promessa? Que promessa é essa sem fim?” - “Tem fim sim, padre. São nove semanas” - “Que isso, você tá querendo que Santo Antônio lhe arranje um príncipe das Astúrias? Como é, me conta”. - “É para arranjar casamento. Corta um pedaço de fita vermelha coloca entre os seios e dorme com ela. No outro dia põe no envelope, traz pra Santo Antônio e coloca outra fita no lugar”. - “Você está com a fita no corpo?” - “Estou. Quer ver?”, falou ingênua. - “Deixa eu ver”. Maria das Graças abre a blusa mostra a fita vermelha. Narciso olhou e reagiu: - “Fecha a blusa menina, rápido”. Continuou: - “Você tem que mostrar isso para um homem de verdade, não para Santo Antônio. Falta muito tempo para acabar a promessa? Promessa... isso não é promessa, é simpatia”. - “É simpatia padre Narciso, mas faz parte de uma promessa. Falta pouco, duas semanas para acabar. - “Que promessa? - “Ah! Isso não posso falar. É promessa”. Narciso encerrou a conversa, se despediram. A imagem de dois pêssegos volumosos, perfeitos se manteve. Maria da Graça havia afastado a blusa para os lados deixando-os expostos. Ele estava com 28 anos de idade. Jamais vira seios de mulher, de moça, de fêmea como ela, dois anos mais nova que ele. A referência que tinha era a do Mello, colega de seminário, hoje padre em Pombal. Uma diferença entre montanha e o deserto onde mantinha o oásis pra refrescar. Foi choque, estava certo disso, apenas choque. Não entendia Santo Antônio. Por que demora atender Maria da Graça, moça nova, bem-apessoada e gentil? - “Só se aparecer um jagunço mais macho que Honório Cavalcanti” Padre Saturnino respondeu e continuou a explicar: - “Ele é o pai de Gracinha. O mais famoso matador de aluguel da cidade. Tem cinco filhas solteiras, ninguém tem coragem de namorar”. Narciso se revoltou: - “Quem é Honório, se acha um Lampião?” O paciencioso padre responde: - “Meu filho, Lampião é lamparina perto de Honório. Só um milagre de Santo Antônio pode resolver o caso de Gracinha e suas irmãs. Oremos”. - “Eu tenho fé! Santo Antônio dará um jeito na ignorância do Honório” disse Narciso convicto. As cartas foram se amontoando aos pés do santo. Narciso não se intrometia mais. Maria das Graças ganhou um companheiro de oração. Narciso passou a se ajoelhar ao seu lado para fazer o pedido e orar cheio de fervor. Inverteu-se os papéis pecador era ele, devia se confessar com Gracinha. Chamou-a para a sacristia e contou seu pecado: - “Eu nunca havia visto seio de mulher. Só tive contato com homem. Sei que estou pecando. Me perdoe. Tenho desejo incontrolável de tocá-lo. Você me permitiria?” Maria das Graças fica com o peito nu. Se aproxima sorridente de Narciso paralisado. Lentamente, Narciso eleva seus braços e os seios são apalpados pelas duas mãos. Maria das Graças o estreita, o beija com prazer, longamente. Surge o fantasma de Honório que precipita os acontecimentos. Na noite daquele mesmo dia Gracinha fugiu com Narciso em seu Gol ano 2010 modelo 2011 para o Pará. - “Amor, lembra da simpatia e da promessa que não quis te contar? Minha avó dizia que com a simpatia da fita Santo Antônio mostraria o homem de casar. Ele daria o sinal fazendo o homem tocar em meus seios. A promessa era obrigatória, me casar com ele, fosse quem fosse. Era você, amor!” - “Gracinha, querida, penso que Santo Antônio fez bem mais que isso...” Padre Saturnino se abalou para Cajazeiras. Foi informar o acontecido para Dom Agostinho. O bispo ouviu atentamente e concluiu: - “Foi bom, descobrimos que ele não tinha vocação sacerdotal. Vamos aplaudir Santo Antônio ele se superou nesse milagre. Arranjar o casamento para a mulher impossível.Transformar padre inseguro, sem convicção de gênero,em homem. Desmoralizar o mais perigoso bandido da cidade... _ “Foi obra da fé, Dom Agostinho. Os dois tinham muita fé! _ “Saturnino, vai ter fé assim no inferno...é demais.

Ass: Celso Nespoli Antunes

Aracy Bocault Tortelli, do sonho à realidade.

Uma bela lembrança e uma linda história Dona Araci Bocault e a fundação do Hospital Geral Dr Francisco Tozzi. O Hospital Geral Dr. Francisco Tozzi – Santa Casa de Misericórdia, nasceu do sonho de uma senhora chamada Aracy Boucault Tortelli e um grupo de 24 sócios. Dona Aracy era uma senhora dinâmica, cheia de entusiasmo, corajosa, vendo a necessidade do povo de águas de Lindóia, em relação à saúde e preocupando-se também com os visitantes que não tinham aqui nenhuma segurança, caso precisassem, resolveu fundar o Hospital. Pediu terreno e ganhou da Família Tozzi. Lutou, fez vários apelos pela Rádio Mairink, do Rio de Janeiro, onde contava Histórias de Águas de Lindóia. Abriu um livro chamado “Livro dos Camelos”, significando esse nome, trabalho no deserto. A sede da campanha em prol da construção do Hospital foi em uma das salas do Balneário. Dona Miriam Tozzi, benfeitora do Hospital, com a idade de 13 anos colaborava com a Campanha de D. Aracy , chamando a atenção dos visitantes, que além de contribuir com dinheiro, assumiam um compromisso assinando o “Livro dos Camelos”. Em prol da Campanha de D. Araci, foi construída a “Boite Camelo”, por pessoas da comunidade, no terreno que pertencia ao Dr. Vicente Rizzo, hoje Edifício Vera, na rua São Paulo. Todo sábado havia bailes e para abrilhantar as festas e bailes formou-se um conjunto musical com músicos da cidade que tocavam gratuitamente. Em 1954 uma parte do Hospital já estava construída e funcionava como Posto de Saúde. O hospital História Departamentos Serviços Convênios No dia 12/08/1955 o Hospital já construído foi doado para as Irmãs Franciscanas Missionárias do Coração Imaculado de Maria, com a incumbência de equipar e colocá-lo em funcionamento no prazo de seis meses. E, finalmente após muita luta e determinação no dia 05/02/1956 aconteceu a inauguração do Hospital com a nova denominação Hospital Geral Dr. Francisco Tozzi. Em vinte cinco de maio de 1972 foi acrescentado em sua denominação Santa Casa de Misericórdia. Portanto, é uma Entidade Civil, Filantrópica, sem fins lucrativos, de caráter hospitalar. D. Aracy com sua grande boa vontade, coração magnânimo e generoso, soube enfrentar lutas, suplantar obstáculos, para concretizar o seu sonho “ fazer o hospital para acolher os pobres e ricos, aliviar as dores da humanidade”. Dizia sempre “Lutem Sempre pelo mesmo ideal. Não deixem morrer nossos sonhos!”

Ass: João Eduardo Biscuola

Vim trazer um doce para o menino

Em uma pequena e tranquila cidade do interior do estado de São Paulo bem na divisa com Minas Gerais, havia uma Mulher que andava sempre depressa como se tivesse desesperada por algo que iria acontecer. Sempre de maneira ansiosa começava sua jornada de cedo até a tardezinha caminhando pelas ruas da pacata cidade, sempre com alguma coisa nas mãos. Visitava várias casas de domingo a domingo, sempre com seu jeito único e sutil. Certa vez, ela apareceu na porta da cozinha de uma casa que havia um menino acamado com hepatite e ficava deitado em uma cama de molas, a Senhora que estava fazendo o almoço com um sorriso no rosto a cumprimentou e perguntou a ela como poderia ajuda la e ela respondeu: -Vim trazer um doce para o menino, disse ela toda alegre. E assim o fez, e seguiu seu caminho pelas ruas da cidade como sempre fazia. Durante vários dias a cena se repetiu naquela casa, até o menino que ali estava convalescendo se recuperasse. Sua morada era em um bairro bem no alto da cidade, e a caminhada era longa até as ruas do centro, mas todo dia ali estava ela. Muitos não entendiam ou achavam engraçado a maneira daquela mulher, muitos a chamavam de louca. Francisca Moreira de Godoy era o nome dela, ou simplesmente Chica assim conhecida na cidade, residia na Vila Cambota em Águas de Lindoia entre os anos de 50 a 70, sua trajetória pelas ruas da cidade era para pedir a quem podia doar e levar para aqueles que de alguma forma precisavam, fosse alimentos, produtos de higiene pessoal ou doces. O menino doente era eu. Até hoje tenho na memória, aquela Mulher de jeito simples e humilde com os pés descalços parada em pé na porta da cozinha da minha casa, conversando com minha mãe e com um doce na mão dizendo: - Vim trazer um doce para o menino. E assim foram várias manhãs. Obrigado Chica você me trouxe naqueles dias de enfermidade um carinho tão grande, que até hoje sou grato, tenho a certeza absoluta que assim como foi comigo foi com muitas outras pessoas, pedindo e levando a cada um o que mais necessitava no devido momento. Hoje muitos entendem e reconhecem o real motivo de que sua aflição e pressa era para levar o mais rápido possível um pouco de carinho e conforto a alguém necessitado. Anos e anos se passaram e ela não foi esquecida, toda humildade, carinho e amor daquele ser humano iluminado se transformaram em milagres.

Ass: João Eduardo Biscuola

Dona Wanda

.CADA PESSOA É UM MUNDO. Lar São Camilo de Lélis. "A generosidade e a bondade das pessoas nos fazem acreditar que nem tudo está perdido, e nos dão lições de vida." Carlos Aguiar. WANDA. Wanda Vitare Jorge tem 94 anos e nasceu em Lindóia. Quando casou com Luiz Jorge, veio morar em nossa querida Águas de Lindóia. Trabalhou muito na sua vida. Costurou, cuidou dos filhos e da casa, e se dedicou ao máximo para realizar seu sonho: ter um espaço para acolher os necessitados. A alma dessa mulher incrível é comovente e inspiradora. Ela começou a construir o Lar São Camilo de Lélis só com a ajuda do seu marido e, apesar da descrença das pessoas, ela não desistiu do que ela chama de a missão da sua vida. E ela conseguiu, trabalhando incansável na sua máquina de costura. Ela comprou um terreno a prestação e começou o Lar São Camilo com uma casinha simples e dois residentes. Hoje, mais de cinquenta anos depois, o Lar atende cerca de 100 residentes. É administrado por um presidente, Messias Reis, e por uma diretoria. O presidente e os diretores são voluntários. Em todas as decisões tomadas é levada em conta o nobre desejo da dona Wanda: atender prioritariamente os mais desvalidos, e garantir que todos - residentes, funcionários e voluntários se sintam em casa. Dona Wanda queria que o Lar sempre fosse um lugar alegre e acolhedor, e ele é, e muito!!! No seu quadro de funcionários, o Lar conta hoje com mais de trinta profissionais: coordenadoras, fisioterapeuta, psicóloga, assistente social, nutricionista, médicos, enfermeiras, cuidadores, trabalhadores da limpeza, da cozinha, da lavanderia e da manutenção. A comunidade é muito generosa com o Lar, pois como dona Wanda sempre diz: _ Quando começa faltar alguma coisa, logo alguém bate no portão com o produto que está faltando, parece milagre, é feijão, leite, fraldas.... A gente deseja agradecer muito todas essas pessoas generosas! Nós todos temos uma dívida de gratidão para com a dona Wanda. Se não fosse a coragem dela, o Lar São Camilo não existiria. Não estaríamos hoje atendendo os mais de 100 residentes e gerando cerca de 30 empregos, mudando a vida de muita gente para melhor. Dona Wanda, muito obrigada por tudo. Desejamos para a senhora muita saúde, paz e amor?? Marilene Rodrigues de Oliveira 2023 Foto Lar São Camilo de Lélis . Documentário que conta a história da Dona Vanda e o Lar São Camilo de Lélis https://youtu.be/ImEqeuqoJ50

Ass: Marilene Rodrigues de Oliveira